Laíne de Lima Rodrigues e Flávia Oliveira relataram que a maternidade por si só é repleta de desafios, mas para mães de crianças com síndrome de down e espectro autista, os desafios são ainda maiores. Laíne e os filhos Suyene e Filipe – Divinópolis – mães atípicas
Laíne Rodrigues/Divulgação
A maternidade é uma jornada desafiadora para qualquer mulher, mas quando se trata de mães atípicas, os desafios são ainda maiores. Com o nascimento dos filhos, nasce também dentro de cada mulher uma fonte inesgotável de força para desbravar caminhos desconhecidos e romper com preconceitos em prol de um amor verdadeiramente puro.
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Nessa reportagem, o g1 traz relatos inspiradores de duas mães, que todos os dias desafiam tudo aquilo que é convencional e se tornam ainda mais fortes nas próprias lutas.
Laíne de Lima Rodrigues e Flávia Oliveira são de Divinópolis. Elas não se conhecem, mas têm em comum exatamente essa força, que elas conheceram no momento em que deram à luz aos filhos com diagnósticos de síndrome de down e espectro autista.
Laíne de Lima Rodrigues
Laíne e os filhos Suyene e Filipe – Mães atípicas – Divinópolis
laíne Rodrigues/Divulgação
Laíne vive um território de descobertas e superações dia após dia. Aos 33 anos, ela é mãe da pequena Suyene Maria, de 3 anos, diagnosticada com síndrome de down assim que nasceu.
Laíne relembra que o medo e a preocupação a fizeram companhia desde que ela foi alertada, ainda na gestação, de que havia algo de diferente com o bebê. O receio, criado desde então, perdurou por um bom tempo e só não foi maior que o amor já consolidado pela filha ainda no ventre.
Na tentativa de conhecer o diagnóstico, ainda na gestação, Laíne e o marido receberam a sugestão de um médico especialista de que ela passasse por um exame específico, capaz de detectar a síndrome de down. Mas o exame, chamado amniocentes, era invasivo e tinha valor expressivo.
“O medo tomou conta de mim, chorei, rezei, fiquei aflita e angustiada, quase não dormi nessa noite com o pensamento a mil. Na mesma ocasião, minha médica me ligou e falou que o médico especialista tinha ficado preocupado com a saúde do meu bebê, aí sim eu chorei muito, porque a minha preocupação triplicou”, disse.
Sem dormir, sem comer e tomada pela angústia, Laíne tomou a decisão de não fazer o exame de detecção.
“Teve um dia que acordei, respirei fundo, me vesti com o sentimento da fé e comecei a acalmar meu coração. Iniciei a novena 9 meses com Maria, fazia a novena pela vida da minha filha todos os dias e então, eu e meu marido decidimos que não faríamos esse exame caro e invasivo, já que independente do resultado ela era a nossa filha, já amada e muito desejada. Decidimos não fazer também para evitar gastos, caso ela precisasse de algo após o nascimento. Confiamos no que Deus tinha reservado para nós e assim consegui seguir minha gestação com mais leveza”, lembrou.
A gestação seguiu tranquila, mas Laíne sempre buscava opiniões médicas diferentes. Em um dia normal de exame ela foi surpreendida de que estava na hora da Suyene nascer. Segundo o médico que a atendeu, o bebê ficaria seguro dentro da barriga apenas mais 48 horas e, então, o parto aconteceu antes do esperado.
“Quando ela finalmente nasceu, eu vivi uma mistura de sentimentos, eu tive insegurança devido à prematuridade e a síndrome de down, que foi confirmada. Mas senti um alívio por ela não precisar ir para o CTI. Eu tive medo e ao mesmo tempo coragem, tive pressa e também calma, tive fraqueza, mas também fui fortaleza, mas acima de tudo eu tive amor e gratidão”.
Nos três primeiros meses de vida de Suyene, a família se dedicou à intensa busca de informação sobre a condição genética e como lidar com ela. Os sentimentos de angústia, já minimizados, deram espaço para a resiliência e Laíne passou a focar na melhor maneira de promover o desenvolvimento da filha, que novamente esbarrou em mais um obstáculo.
“Começamos a lidar com a falta de profissionais no mercado de trabalho ligados às terapias multidisciplinares (fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia), principalmente de forma gratuita. Sabemos que isso compromete bastante o desenvolvimento global das crianças, então esse foi mais um desafio grande que enfrentamos”.
Preconceito escancarado
Outro obstáculo, e talvez um dos mais difíceis até então, segundo Laíne, é o olhar preconceituoso que ela encara até mesmo no âmbito familiar.
“Relato essa situação com o intuito de fortalecer mães e famílias, pois sei que mais mães enfrentam o desafio de seus filhos não serem aceitos por terceiros. Logo após Suyene completar dois meses de vida, eu e meu marido fomos surpreendidos ao saber que uma pessoa da família falava coisas cruéis a meu respeito e da nossa filha. Ouvimos coisas do tipo: “Eu avisei pra ela que a menina ia ter SD. A mãe vai ter que parar de trabalhar, porque não vai achar ninguém para olhar a criança. Serão poucas as pessoas que vão gostar da criança e aturar ela desse jeito.” Infelizmente foram coisas desse nível que meus ouvidos e meu coração escutaram”.
Atordoada com tudo que ouvia, Laíne e o marido decidiram permanecer unidos e decidiram que as interferências preconceituosas não desestabilizariam os dois.
“Deixo aqui, para as pessoas que viveram situações parecidas e dolorosas, que se for preciso encerre ciclos, mude de lugar, mude de atitude, mas nunca permita o desrespeito com você e com seus filhos”, disse.
A fase escolar também assombra Laíne, já que a inclusão ideal ainda é uma realidade distante. Suyene ainda não frequenta a escola e a mãe fica na expectativa que a cada ano que passe, mais pessoas se conscientizem sobre as pautas de inclusão e que o acolhimento seja ampliado no ambiente escolar.
Laíne sabe que ainda vai ter que se reinventar muito e estar pronta para tantos desafios que estão por vir e fraquejar não é uma opção para ela.
“Eu prometo pra mim nunca perder as forças. Eu tenho muito orgulho da mulher que eu me tornei, tenho orgulho de mim, por diversas coisas, mas a que me deixa mais orgulhosa é ser mãe e eu quero honrar essa minha missão sendo a melhor mãe que eu puder ser”, finalizou.
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Flávia Oliveira
Flávia Oliveira e Vítor – mães atípicas – Divinópolis
Flávia Oliveira/Divulgação
Flávia Oliveira é mãe de Vitor, de 13 anos, que teve aos três anos o diagnóstico de Transtorno Espectro Autista (TEA). Hoje, ela descreve a maternidade atípica como uma missão de vida, mas, no início, quando soube da condição do filho, ela se viu refém do medo.
“A maternidade por si só é um desafio inigualável. Ser mãe atípica agrega a esse desafio o medo e uma insegurança que apavoram e muitas vezes trava. Eu passei por muitas dificuldades no início do diagnóstico do Vitor, por não conhecer o autismo e não saber como lidar com ele, na prática, mesmo após ler e estudar eu tive muita dificuldade, pois cada autista é único e a princípio a gente estuda buscando uma fórmula mágica e a possibilidade de curar nosso filho, a dor de ver que isso não existe e que somos impotentes é avassaladora”, contou.
Flávia relembra que passado o momento do susto e de todas as incertezas, ela teve que “arregaçar as mangas”, e começou a trilhar caminhos que ela sabia que não seriam fáceis, mas ela sentia que estava preparada.
“Quando o momento da coragem chegou, eu comecei a olhar pro meu filho e buscar nele o caminho sabe? Ver o que chamava atenção, o que incomodava, passei a conhecer e respeitar os limites dele e a explorar suas habilidades”, disse.
A partir de então, tudo começou a fluir e Flávia começou a se redescobrir como mãe. Afinal, mesmo com a experiência do Igor, o filho mais velho, ela viu que as demandas eram outras e exigiam dela um novo formato de mãe.
“Passei a mergulhar em uma rotina diária de aprendizado por nós dois. Hoje, a identificação de atrasos no desenvolvimento podem levar rapidamente ao diagnóstico do TEA, e assim são iniciadas intervenções comportamentais para evolução cognitiva, motora e verbal. No entanto, há 10 anos a situação era bem diferente e foi o maior baque que sofri na vida”, disse.
“Diante do cenário apresentado, eu nunca imaginei que o filho pudesse se desenvolver. Sempre achei que ia ter muita dificuldade para conseguirmos conquistar as coisas e não foi por não acreditar nele, é porque eu não tinha informação nenhuma. Até o diagnóstico, eu nunca tinha ouvido falar em autismo na minha vida”, completou.
Flávia e Vitor passaram a viver dias de descobertas únicas. Cada nova conquista passou a ser motivo de muita comemoração e essas conquistas estavam sempre relacionadas a uma nova palavra falada, a um passo dado, a um olhar no olho a um sentimento expressado.
Se passaram 13 anos de muitos estudos, muita opiniões de dezenas de profissionais e o que ela pôde, até então, aprender sobre o TEA, ela aprendeu. Em meio a tudo que viveu, a única questão que não foi preciso esforço algum para descobrir, foi sobre o amor incondicional que une ela ao filho.
“Sem sombra de dúvidas sou uma mãe privilegiada, tenho filhos maravilhosos e a maternidade atípica hoje não me assusta mais, pois sei que os desafios aparecem à medida que crescem os filhos, mas sei também que com amor venceremos todos eles”, finalizou.
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