Acidentes com escorpiões, aranhas e serpentes lideram notificações em Minas. Cidades do Triângulo Mineiro enfrentaram escassez de antídotos nos últimos anos. Soros antipeçonhentos da Funed devem ficar disponíveis ao SUS em agosto
Funed/Divulgação
A falta de estoque de soros antipeçonhentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no interior de Minas Gerais tende a ser suprida com a produção dos medicamentos em solo mineiro. Ao menos é o que garante o presidente da Fundação Ezequiel Dias (Funed), Felipe Attiê.
Nesta terça-feira (25), o governo de Minas e a autarquia estadual vão reinaugurar a fábrica de soros hiperimunes e apresentar o cronograma das operações.
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O político de Uberlândia, que está à frente da fundação desde 2023, conversou com o g1 sobre o panorama atual da entidade e a importância que a retomada da produção biológica de soros terá para a região.
Ele alegou que os laboratórios internacionais, que dominam o mercado de fármacos, optam por fazer medicamentos que trazem maior rentabilidade, como os injetáveis Ozempic e Mounjaro, que também são usados para perda de peso.
“A Funed entrar no ramo de biológicos é essencial. Butantan [Instituto] e Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz] não dão conta do serviço que tem em cima deles. Brasil tem 220 milhões de pessoas e olha o problema da falta de insulina. Os grandões não querem fazer insulina e o pobre está lá, tremendo na porta do posto de saúde, com crise e precisando da insulina”, disse Attiê.
Acidentes com peçonhentos
Entre 2020 e 2023, segundo os dados disponíveis no portal DataSUS, Uberlândia registrou 1.650 acidentes com animais peçonhentos. As notificações por picada de escorpião lideraram os atendimentos durante os quatro anos, representando 74% dos registros. Veja os principais:
Acidentes com escorpiões (1.221)
Acidentes com serpentes (279)
Acidentes com aranhas (62)
Acidentes com abelhas (51)
Em 2018, uma criança de quatro anos morreu após ser picada por escorpião em Estrela Sul. O menino precisou ser transferido para Uberlândia, a mais de 100 km da cidade natal, para receber o soro, pois era a única cidade da região com disponibilidade do antídoto. Com a demora no tratamento, ele acabou morrendo.
Três anos depois outra criança, de nove anos, também morreu por picada de escorpião na zona rural de Divinópolis, região onde os números envolvendo acidentes com animais peçonhentos também assustam.
De acordo com os dados da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), na região do Centro-Oeste Mineiro, foram 2.592 acidentes só no ano passado. Neste ano, a cidade de Divinópolis registrou 32 acidentes até o momento.
Na Zona da Mata, só o município de Juiz de Fora notificou 1.988 acidentes considerando os últimos cinco anos. Neste ano, a cidade já contabiliza 94 notificações, sendo que os principais registros envolvem ataques de aranhas e escorpiões.
Ainda considerando os dados estaduais, Uberaba soma 35 casos em 2025 e Uberlândia 83.
Acidentes com animais peçonhentos aumentam no verão em Uberlândia
Falta de soros antipeçonhentos é problema recorrente em MG
O g1 noticiou, em 2019, que a falta de soros hiperimunes fez com que a Regional de Saúde de Uberlândia mudasse os fluxos de atendimento e centralizasse os estoques do fármaco em cidades com maior demanda e risco de acidentes com animais peçonhentos.
O Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU) também registrou estoque zerado do soro antibotrópico para neutralizar o veneno de serpentes como jararaca e urutu.
Os soros hiperimunes que são fabricados pela Funed são aqueles com anticorpos obtidos do sangue de animais imunizados, no caso cavalos, para fornecer imunidade aos humanos contra os efeitos do envenenamento por animais como cobras, aranhas e escorpiões.
Segundo Felipe Attiê, apenas o Instituto Butantan abastece o SUS com os soros atualmente e não consegue suprir a demanda sozinho. A retomada da produção pela Funed vai reabastecer não apenas os estoques da rede pública de saúde de Minas Gerais, como de todo país.
“Com o agronegócio e essa extensão rural que temos, dentro da fauna e flora que temos, os acidentes com peçonhentos são muitos. Nós precisamos defender a nossa população e a Funed volta a produzir esses soros para abastecer todo o Brasil e salvar vidas”, reforçou Attiê.
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Falta de estrutura tecnológica
Por muito tempo, a Funed fabricava a solução biológica, mas a produção foi interrompida em 2016 para uma reforma na fábrica. Sem acompanhar a legislação de produção de biológicos e falta de regulamentação, a fábrica continuou parada.
A fazenda experimental, no entanto, foi mantida com a criação dos animais produtores de plasma hiperimune. “São R$ 13 milhões gastos com alimentos para 300 cobras e 150 cavalos sem produzir uma ampola de soro nesses nove anos”, disse indignado.
De acordo com Attiê, para a reativação da fábrica, o Estado investiu em tecnologia e inovação para revitalizar todo o parque industrial.
Fazenda experimental da Funed mantém cerca de 150 equinos e 300 serpentes para produção de soros
Funed/Divulgação
Agora, a fábrica de soros até então desativada foi reformada e recebeu um parque tecnológico novo com capacidade inicial de produzir cerca de 30 mil ampolas de soros hiperimunes ao ano.
Os estoques serão suficientes para atender a demanda do Ministério da Saúde (MS) até 2027 e a expectativa é que as primeiras remessas, já aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), estejam à disposição do Sistema Único de Saúde (SUS) em meados de agosto.
A promessa é de que a produção seja expandida para um novo espaço em no máximo três anos. O valor do investimento e outros detalhes do empreendimento serão informados no evento de lançamento em Belo Horizonte, nesta terça.
Funed como referência nacional
Presidente da autarquia, Felipe Attiê quer transformar Funed em referência no patamar de Fiocruz e Butantan
Caroline Aleixo/G1
A Fundação Ezequiel Dias foi fundada em 1907 e está vinculada à SES-MG. É responsável no estado pelas análises laboratoriais relacionadas à vigilância sanitária e epidemiológica. Isso inclui a análise de amostras de pacientes suspeitos de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti.
Também fornece para o governo federal a vacina que previne a Meningite C, sendo o único laboratório público fornecedor da vacina para o MS.
Firmou acordos por meio de parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) para passar a produzir insulina em conjunto com empresas do ramo biológico. O Brasil não produz o medicamento para tratar o diabetes há mais de 20 anos.
PDPs são acordos de colaboração entre governo e empresas privadas para fortalecer a produção nacional, incentivar inovação e transferência de tecnologia. É uma forma de reduzir a dependência de importações de insumos, por exemplo.
Funed produz remédios contra hanseníase, câncer e para tratar infecção crônica pelo vírus da hepatite B
Com uma estrutura centenária até então defasada – e falta de registro da Anvisa para ampliar os fármacos – a Funed produz em seu parque industrial apenas dois medicamentos: o Talidomida, usado no tratamento da hanseníase e câncer, e o Entecavir para tratar infecção crônica pelo vírus da hepatite B. Os dois são comprimidos.
Para o presidente da Funed, a vontade é transformar a estatal em referência nacional na promoção de saúde pública como a Fiocruz e o Instituto Butantan, mas ainda há entraves. Um deles é quanto à natureza jurídica que, para ele, faz com que os avanços sejam freados devido à burocracia.
“Por exemplo, a indústria precisa de uma lactose que vem da Índia. Como fundação autárquica, eu preciso fazer uma licitação pública e com prazo para entregar os remédios, briga na Justiça, é um rito gigante. Sem contar um laboratório central com uma epidemia de dengue enquanto ele está comprando isso, porque tem que fazer todos os exames. Chegaram a ser 5 mil exames em um dia só, de todo o estado. Então faz um ano que estou fazendo um edital de convocação para contratar uma consultoria para ela me posicionar qual o modelo mais viável. Como o Butantan talvez, que é fundação pública, mas de direito privado”, finalizou Felipe.
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Retomada na produção de soros antipeçonhentos pela Funed vai suprir falta dos medicamentos no interior do estado
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